Numa
frase de Bertolt Brecht, “que tempos são estes, em que é necessário defender o
óbvio?”, me perco na capacidade humana de se superar negativamente em meio ao
caos que estamos vivendo. O nosso egoísmo e visão de mundo limitada nos
trouxeram até aqui. Não temos educação política o suficiente para separar
marketing político de propostas efetivas. Não temos solidariedade para entender
o quanto dói no outro as diversas fatalidades que vem ocorrendo no mundo. Independente da categoria, ainda se vota nesse país em prol das possibilidades
que tal candidato dará para o indivíduo, sabendo que o interesse público está
totalmente acima do privado na lei, mas na prática é um absurdo total. Para
todo mundo, enquanto não é atingido, está sempre tudo bem.
Tudo
bem que o mundo seja machista, LGBTfóbico e preconceituoso em todos os níveis:
racial, religioso, economicamente e etc. Eu sou homem, branco, heterossexual,
cristão e vivo bem. Minha mulher foi bem educada e entende o lugar dela em
casa, cuidando dos filhos e me obedecendo: é pra isso que as mulheres servem,
para serem nossas serviçais. Inclusive, o Bolsonaro fala algumas coisas
esquisitas, mas ele nem está tão errado, afinal ele não é corrupto pelo menos
(sendo machista, racista, lgbtfóbico e a favor da tortura está ok). Inclusive
está tudo bem em pena de morte: é só a gente matar alguém para ensinar para
sociedade que é errado matar alguém. E tudo bem também se os presos estão se
matando, afinal, nenhum deles tem nada a ver comigo.
Tudo
bem que 138 mortos no Espírito Santo, né? Ninguém nem sabe onde fica direito
esse Estado. Tudo bem que o Rio de Janeiro vive uma Guerra Civil há décadas,
afinal é na favela e Copacabana está Ok. Tudo bem um time de futebol morrer em
um naufrágio em Uganda, mesmo menos de um mês depois do acidente do Chapecoense
que foi uma tragédia, afinal, o que é mais uma fatalidade na África? Tudo bem
se o Estado Ilâmico está matando, fica tão longe. A Síria, então, por que
estamos preocupados com as mulheres estupradas e com as crianças massacradas em
um país que nem sabíamos que existia? Tudo bem parar de investir em Saúde e em
Educação, eu posso pagar as opções particulares. Tudo bem acabarem com a
aposentadoria, eu pago previdência privada, tenho posses e recebo rendas.
Tudo
bem que o aborto mata milhares de mulheres todos os anos, o que importa é o que
a minha religião prega, que eu tenho estrutura financeira e familiar para ter
essa criança e depois que nasce é só a mulher quem tem que cuidar, o filho é
dela. Alias, mulher reclama de tudo.. Usa shorts num calor de 40º e não quer
ser estuprada na rua. Inclusive, sempre falo pro meu filho pegar todas as
menininhas; já a minha filha, se aparecer com um namoradinho aqui eu mato os
dois.
Tudo
bem que o tráfico de drogas mate milhares de pessoas, escravize todo o sistema
politico, financeiro e carcerário do país, se continua molhando a mão das
pessoas certas. Sabendo que em todos os países que as drogas foram legalizadas
diminuiu e se racionalizou o consumo, a gente pode continuar alimentando as
maiores organizações criminosas do planeta.
Tudo
bem, sempre! Tudo bem que o código florestal seja uma PIADA e que jamais a
mesma lei ambiental deva ser aplicada a São Paulo e a Amazônia, se no Brasil
temos escondida uma bancada política de agropecuários enorme que quer mais é
desmatar a maior floresta tropical do mundo e transformar tudo aquilo em Soja (e
ok se desregula o clima do planeta todo e coloca a vida humana em risco, o
importante é ter dinheiro). E é normal a gente subornar e ameaçar de morte
membros ONGs ativistas ambientais pra ninguém tocar nesse assunto, são
negócios, já pensou se todo mundo descobre que o que a soja que alimentamos o
gado acabaria com toda a fome da África?
Tudo
bem que diversos líderes religiosos estejam enriquecendo à custa da pobreza, eu
tenho esclarecimento para não entregar a minha casa na mão de um pastor. Tudo
bem se o Estado finge ser laico e tem uma enorme bancada evangélica, porque sou
família tradicional brasileira. Tudo bem se tem Cruz e Bíblia nos ambientes
políticos, afinal, eu sou cristão e fodam-se todas as outras religiões.
Por
favor. A verdadeira “família tradicional brasileira” é pobre, em mais da metade
das vezes é preta. Tem mais de 5 milhões e meio de filhos que nem o nome do Pai
tem no documento. Depende de saúde, educação e previdência pública. Ganha um
salário mínimo para sustentar uma família. Passa fome. Passa frio. Em milhares
de casas não tem energia elétrica, não tem água encanada, não tem esgoto.
Pessoas geniais são assassinadas e têm oportunidades arrancadas por serem LGBT
ou pretos, pardos, índios. As pessoas que mais roubam e mais indiretamente
matam em nosso país são homens brancos que vestem terno, trabalham quando
querem, com conforto e ar condicionado e são sustentados por bilhões de
dinheiro público que eles já receberiam fora a propina e corrupção infinita que
eles praticam.
Que humanidade é essa que se julga cheia dos valores e, na primeira oportunidade sem a polícia para cobrar o cumprimento das leis, pessoas "de bem" roubam estabelecimentos e matam?
Que humanidade é essa que se julga cheia dos valores e, na primeira oportunidade sem a polícia para cobrar o cumprimento das leis, pessoas "de bem" roubam estabelecimentos e matam?
Ninguém se cura machucando o outro. Não é uma questão de opção política ou valores
morais de uma sociedade criada com pilares ultrapassados, machistas e
preconceituosos em todos os níveis. É uma questão de humanidade, que por um
acaso e ironia é o que mais falta nessa espécie de nome duvidoso: “humanos”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário